Lispectoriando

"Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender.
Viver ultrapassa qualquer entendimento"
(Clarice Lispector)









sábado, 26 de fevereiro de 2011

Cartinha à Arezzo

"Querida Arezzo,


Eu sempre fui uma boa cliente para você. Apesar das vendedoras esnobes, dos preços absurdos e das campanhas publicitárias cafonas, eu sabia que valia a pena comprar os seus sapatinhos.

Ao longo de todos esses anos, foram pelo menos umas 20 sapatilhas, mais scarpins e sandálias e até uma rasteirinha – a única que eu tenho, imagine, logo eu que não uso rasteirinha! Tudo bem, eu sei que não é muito e que tem gente que compra bem mais que eu, mas eu sou uma jornalista pobrinha; se levar em consideração a despesa em relação ao salário, olha, eu fui muito legal com você.

Aí um dia, eu comprei aquele scarpin de “couro” (cof, cof) preto. Salto alto. Plataforma. Eu fico com mais de 1,80m com ele, Arezzo! Tão bonito, tão confortável. Como (quase) tudo que você faz.

Justamente por ele me deixar tão alta, usei pouco; guardei essa preciosidade de R$ 270,00 para ocasiões especiais – principalmente quando elas envolviam também o uso do meu vestidinho lindo da Saad.

Comprei o pequenino há dois anos. Usei cinco vezes, e poderia citar todas elas aqui. Durante todo esse tempo, ele ficou guardado no saquinho dele, na caixinha dele. Como muitos outros sapatos lindos que eu tenho, sabe?

Mas tem uma diferença entre os meus sapatos lindos e o seu scarpin. Sabe qual? Eles não se desmancharam. Pois é, Arezzo. Você sai por aí vendendo sapatos que são supostamente de couro (afinal, por esse preço!) e, depois de serem usados cinco vezes, eles desmancham, revelando um tecido vagabundo pintado de tinta texturizada para imitar couro. O sapateiro riu de mim. Riu.

Eu achei que você fosse me explicar isso, que fosse passar a mão na minha cabeça, dizer que pedia desculpas e que isso não aconteceria mais, que foi um erro, mas o que você fez? Me esnobou. “Não nos responsabilizamos por sapatos comprados há mais de três meses.” Como assim, Arezzo? Eu tenho sapatos Topshop, Sommer, tenho até Melissas guardadas há mais tempo do que guardei esse scarpin, e sapatos usados muito mais vezes que esse scarpin e que não se desmancharam!

É por isso, Arezzo, que eu quero que você vá se danar.

Sabe o que eu fiz hoje? Eu comprei um scarpin seu. No Paraguai. Por R$ 40,00. Ok, deve ter algum pequeno defeito, mas se é pra se desmanchar mesmo, né? Que seja a preço de pano pintado.

Se é como lixo que você vai me tratar, então é assim que vai funcionar. E prepare-se, porque eu vou espalhar essa história e ainda contar para todas as pessoas que eu conheço que tem Arezzo no Paraguai a preço de Moleca. Aliás, nem a minha Moleca se desmanchou como a porcaria do seu scarpin.

Então, é isso. Passe bem com as suas vendedoras esnobes, suas sapatrocidades cor de caneta marca-texto e seus sapatos de pano mentirosos. A mim, você não engana mais.

Atenciosamente,

Fabiane Ariello"
Foz do Iguaçu, PR, Brazil

Jornalista, tradutora, revisora e escritora.
http://whocouldblameher.blogspot.com/2010/10/querida-arezzo.html